Para que serve a Praça da Apoteose?

Para que serve a “Praça da Apoteose” com seu imponente arco no Rio de Janeiro? Qual a sua função na Passarela do Samba? O conjunto idealizado por Darcy Ribeiro e concebido pelo genial Oscar Niemeyer é um monumento arquitetônico único onde os sambistas alcançam o esplendor da festa carnavalesca. Passadas mais de três décadas entendemos que esta obra de arte somente foi possível porque em meio à a queda de braço com a Rede Globo parte da opinião pública foi convencida com a pragmática criação de sete escolas sediadas no interior da Passarela do Samba. Como relata Luiz Augusto Erthal, após dois encontros onde Leonel Brizola apresentou a proposta de escola integral à Roberto Marinho, o jornalista disse: Olha, governador, se o senhor quer construir escolas, está muito bem. Mas não precisa disso tudo. Faça umas escolinhas…”

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E o que aconteceu no Rio de Janeiro na Praça da Apoteose após o primeiro desfile de 1984 foi o contrário. Em vídeo postado no youtube em 2018 o poeta Geraldo Carneiro pergunta ao líder gaúcho: “o senhor acaba de ver a Mangueira sair da avenida misturada com o povo e não sabia onde terminava a Mangueira e onde começava o povo. Isso é um indício de que vai se consolidar a democracia brasileira?” A história do Carnaval explica melhor a indagação do hoje integrante da Academia Brasileira de Letras: a Mangueira foi a única a subir a Passarela do Samba, evoluir sob o arco da Praça da Apoteose e depois voltar em sentido contrário com o intérprete Jamelão cercado pelos componentes e foliões na pista.

Muito aconteceu depois, mas esta apoteose foi tão única quanto o projeto dos Centros Integrados de Educação Pública, os chamados CIEP`s. Sem dúvida, o último respiro de política educacional com olhar humanitário se pensarmos hoje o aprofundamento do neoliberalismo ideológico e mental. A proposta de horário integral foi retomada nos últimos anos em algumas cidades brasileiras como uma grande novidade, mas no projeto original tínhamos biblioteca, três refeições, banho, atendimento médico, esporte e pais sociais para crianças em vulnerabilidade. No prédio desenhado por Niemeyer, além do ensino artístico convencional, Darcy Ribeiro elaborou o programa de animação cultural onde o artista da comunidade era o responsável pelo diálogo entre a arte acadêmica curricular e as artes das comunidades atendidas pelos “brizolões”.

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O ex-governador Moreira Franco, atual ministro do governo Temer, abandonou os CIEP`s na década de 1980 e esta experiência perdida representa até os dias atuais um enorme prejuízo social e cultural. Moreira se apequena ainda mais ao relembrarmos que o Estado do Rio de Janeiro já teve um Vice-Governador ao mesmo tempo Secretário de Educação e Cultura como Darcy Ribeiro. Darcy não obteve unanimidade mesmo sendo antropólogo, escritor e assessor de Salvador Allende. Discípulo de Anísio Teixeira, é considerado um intelectual do fazer mais por suas inúmeras realizações do que seus múltiplos interesses. Nas suas palavras; “Ou você leva a sério que este povo é para ser alfabetizado e o que vale aqui é criança ou você assume a atitude sacana da classe dominante que sempre achou que o povo é uma espécie de negro escravo carvão para queimar e não importa. Essa é a postura do brasileiro comum: uma postura perversa e pervertida” (Programa Roda Viva, 1991):

Tardiamente o filho de Montes Claros recebeu homenagem do governo do RJ ao batizar a mais nova escola da rede estadual em Maricá com o seu nome. A demorada deferência ao nome de Darcy não é surpresa em uma sociedade conservadora que ainda nos dias de hoje têm grandes reservas à plena democratização cultural. Darcy Ribeiro atuou ambiciosamente ao idealizar os CIEP`s. No início da década passada a professora da UERJ Lia Faria procurou seguir este último vento progressista em uma conjuntura adversa cerceada pelo assédio neoliberal vitorioso. A queda de Lia da secretaria de educação fluminense explicitou o afastamento de intelectuais orgânicos da liderança governamental e a ascensão do economicismo retrógrado na formulação de macropolíticas. Ainda assim, é possível construir ações no plano micropolítico porque felizmente há agentes comprometidos com possibilidades de mudança mesmo com o Estado não os considerando como os intelectuais do seu próprio fazer. Este comprometimento não é missionário; é antes de tudo, ético e estético. Em força contrária, o governo fluminense há tempos, excetuando honrosas exceções, joga fora a juventude ao apostar no “currículo mínimo”, estratégia copiada pelo governo federal na sua recente reforma educacional. Esta escolha é excludente porque nega a possibilidade de uma apoteose cultural. É importante guardarmos este olhar de Darcy em Congresso da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência de 1977: “A crise na educação no Brasil não é uma crise, é um projeto” (9 de junho de 2018).