Ensaio crítico para o catálogo da exposição coletiva “Carnaval” promovida pela Galeria Zagut em fevereiro de 2021

Em 2019 o livro Carnavais, malandros e heróis de Roberto Da Matta completou quarenta anos de uma contundente interpretação ao contrastar olhares sobre os bailes, blocos e desfiles; a semana da Pátria e; as procissões religiosas. Esta análise antropológica mudou paradigmas e investiga o país sob a ótica do Carnaval tendo como fontes de inspiração Edmund Leach, Victor Turner, Arnold Van Gennep e Claude Lévi-Strauss. O desdobramento visual desta contribuição ímpar de Da Matta está no ensaio Universo do Carnaval: imagens e reflexões (1981), quando ao lado do fotógrafo João Poppe, os festejos são descortinados por vértices, como por exemplo, a feminização do mundo, a orgia carnavalesca, e, o relativismo sobre a morte e o sagrado, temas abordados, respectivamente, em filmes como Damas do Samba (2013), A Lira do Delírio (1978) e Orfeu Negro (1959).

Em perspectiva semelhante temos o multiartista Arthur Omar com a série Antropologia da Face Gloriosa apresentada na Bienal de São Paulo de 1997, com quase cem imagens de grandes dimensões, em preto e branco. Nesta instalação fotográfica, o êxtase carnavalesco, alcança uma representação distante do universo visual de Debret ou Di Cavalcanti, mas próxima da dimensão contemporânea de “estar possuído” vista nos Parangolés de Hélio Oiticica na década de 1960. Esta ênfase contemporânea, em uma abordagem plural construída por vídeos, música eletrônica e artes plásticas, também foi contemplada pelo curador Alfons Hug na coletiva Carnaval no Centro Cultural Banco do Brasil em 2004, com destaque para a instalação Se Fosse Tudo Sempre Assim do cineasta Karim Aïnouz.

Com alegria recebi um convite para escrever estas linhas na honrosa lembrança do Augusto Herkenhoff e suspeito que esta escolha, para além das atividades universitárias no campo artístico, muito se relaciona com o meu recente engajamento folião no bloco Cacique de Ramos. Neste ano, o Cacique completa sessenta anos de fundação e é um dos grandes destaques do carnaval de rua do Rio de Janeiro, se observarmos que há outras narrativas para além daquelas já consagradas do chamado ressurgimento visto na zona sul entre as décadas de 1980 e 2000. É sempre válido rever as imagens fotográficas do tradicional bloco da zona norte registradas pelo artista Carlos Vergara em princípios da década de 1970. Nas palavras de Vergara: não sou um artista isolado do mundo. Essa possibilidade de trabalhar o Cacique foi muito gratificante e me ensinou muito, aproximou-me da produção anônima, do desejo de discurso político que existe na população como um todo. Uma ação de discurso artístico popular (Revista DASartes número 84, 13 de maio de 2019).

Neste momento de intensa expectativa pela vacinação, mesmo com o adiamento da folia, ainda é possível sermos afetados pelo Carnaval. O ano de 2021 nos reserva uma festa diferente; pela arte e também pela saúde, como o Espaço Zagut sempre procurou sublinhar em sua trajetória. Nesta coletiva vemos uma ampla pesquisa de artistas visuais de diferentes matrizes sobre o espírito carnavalesco. Os trabalhos procuram dialogar com um universo lírico e intercultural, originando assim, um conjunto que segue livremente as palavras do poeta Chacal em Rápido e Rasteiro: Vai ter uma festa, que eu vou dançar até o sapato pedir pra parar. Aí eu paro, tiro o sapato e danço o resto da vida.

Deixe um comentário