2017: uma nova escola de artes no RJ?

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“NOVA EBA: PROPOSTA PARA UTILIZAÇÃO DO ARMAZÉM 7 NO CAIS DO PORTO” é o título do vídeo postado há alguns dias no Youtube pela Comissão para uma Futura Sede da Escola de Belas Artes (EBA) da UFRJ (https://www.youtube.com/watch?v=SKllBTSMZSY&feature=youtu.be). Ao final da animação vemos um quadro comparativo entre a área total construída da EBA na Ilha do Fundão (8800m2) e o espaço disponível na região portuária: 8400 m2. Não há dúvidas: o espaço é vantajoso pela grande visibilidade artística onde concentram-se diversas atrações culturais como o Cais do Valongo, Boulevard Olimpico, Museu do Amanhã, MAR e Cidade do Samba. Por outro lado, o estudo preliminar desconsidera a área total ocupada hoje pela EBA no Centro de Letras e Artes: fica a dúvida se somente o Armazém 7 comportaria toda a estrutura existente na Ilha do Fundão.

O espaço para a realização de atividades artísticas é um tema sempre presente em artes visuais e tornou-se pauta em um ano marcado pelo “Ocupa MINC”, “Fica SECRJ” e também pela defesa da arte na escola. Neste turbulento 2016 as comemorações pelo bicentenário da Escola de Belas Artes da UFRJ estão ofuscadas pelo incêndio em sua atual sede no mês de outubro: o prédio da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo na Ilha do Fundão popularmente conhecido como “Reitoria”. A paralisação das atividades acadêmicas durante várias semanas explicitou um problema que se arrasta há quarenta anos: a inexistência de um edifício próprio a altura da mais tradicional escola de Artes Visuais do Brasil. O vídeo acima, fruto da iniciativa da comissão de docentes da EBA encontra eco em uma parcela de estudantes insatisfeitos com promessas não atendidas pelo REUNI (Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais). Basta relembrar o ato na inauguração da exposição “Escola de Belas Artes 1816-2016: duzentos anos construindo a arte brasileira” em 11 de novembro: vestidos de preto, aos gritos de “cadê o prédio?”, os alunos marcaram presença e o ambiente ficou tenso.

Além da delicada questão de infraestrutura agravada pelo incêndio esta legitima reivindicação não se separa da atual conjuntura política. O relatório da Comissão Nacional da Verdade evidenciou a repressão do golpe cívico-militar de 1964 aos sindicatos, movimentos sociais e universidades. Na Escola de Belas Artes da UFRJ, a cassação de três docentes – Quirino Campofiorito, Abelardo Zalular e Mario Barata – provocou um grande trauma aprofundado pela transferência em 1975 da imponente sede da Avenida Rio Branco, onde hoje localiza-se o Museu Nacional de Belas Artes, para a invisível Ilha do Fundão, a partir de decisão que refletiu o conturbado momento da época. Neste sentido, a edição do Jornal do Brasil de 7 de abril de 1976 é esclarecedora: “A FUNARTE estará instalada na sua sede, na antiga Escola de Belas Artes, dentro de um mês. A Escola mudou-se para o Fundão há mais de um ano, e, por entendimentos entre a FUNARTE e a Diretoria da Universidade, o prédio foi entregue a área cultural do MEC. O Museu de Belas Artes ali localizado terá aumentada em 100% sua área útil para exposições e outras atividades e a fundação ocupará apenas algumas salas, não prejudicando em nada o funcionamento do museu”.

À título de reparação do golpe sofrido pela Escola de Belas Artes durante a ditadura, além da zona portuária, a cidade oferece outras possibilidades como o retorno ao prédio do Museu Nacional de Belas Artes ou a antiga Casa do Estudante Universitário (Colégio Brasileiro de Altos Estudos).  Há também uma outra alternativa: o Palácio Gustavo Capanema. Trata-se de um prédio federal cujo entendimento para a sua utilização envolve vontade política do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e o Ministério da Educação/UFRJ.

Outro fator a ser considerado na hipótese de transferência é que o silenciamento da Escola nos anos de chumbo representou o surgimento de novas lideranças na Ilha do Fundão. É o que diz o texto da Professora Angela Ancora da Luz “A Visão Modernista da EBA Pós-Fundão” publicado nos Anais 180 Anos de Escola de Belas Artes pela UFRJ em 1996. Ao mesmo tempo, é necessário prever espaços de diálogo entre a comunidade artística universitária e a sociedade, tais como o Museu Dom João VI, o galpão da pós-graduação em Artes Visuais e também a Galeria Macunaíma. O projeto da nova Escola de Belas Artes na zona portuária é um presente para o Rio de Janeiro, embora apresente algumas interrogações. Até que ponto a transferência da EBA para fora do Campus da Ilha do Fundão não seria uma contradição frente ao Plano Diretor da UFRJ? Neste momento de contingenciamento orçamentário há dinheiro em Brasília e interesse da prefeitura nesta ação? Qual é o papel da arte em um contexto de gentrificação? De que forma a sociedade e os artistas se beneficiarão do projeto? (em 28/12/2016).

O golpe na Cultura

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ADOTE  O ARTISTA, não deixe ele virar professor” é o que disse o artista plástico Ivald Granato na década de 1970. Com a Medida Provisória 746/2016 editada em 22 de setembro esta possibilidade se torna ainda mais remota porque este ato do governo federal tem aplicação imediata, ou seja: neste momento a disciplina arte, assim como a filosofia, a sociologia e a educação física estão fora do currículo do ensino médio.  Na verdade, a luta hoje é uma mobilização em todo País para persuadir os parlamentares a reverterem este golpe. Golpe na cultura ao não prever a profunda desestruturação que esta medida arbitrária poderá causar na vida dos artistas e na formação humana em uma área considerada pela UNESCO como campo de inclusão social. Golpe anti-democrático porque esta brusca intervenção não considerou o diálogo com os principais interessados: artistas e sociedade.

Esta intervenção aprofunda a marginalização do artista ao não possibilitar a formação cultural dos jovens nas próximas gerações; basta lembrar que o Senado Federal aprovou uma Proposta de Emenda Constitucional limitadora do investimento em educação nos próximos vintes anos (PEC 55). Esta ação em andamento atinge preferencialmente os estudantes da rede pública de origem pobre, preta e periférica. E em breve ampliaremos a segregação que repete o precário acesso ao sistema cultural no Brasil: escola para ricos e classe média tendo ao seu lado a escola de massa para os trabalhadores. Afinal, se confirmado o atual cenário, de exclusão da arte, como estes estudantes terão condições de pagar cursos de música, cinema, teatro, dança, circo ou artes visuais? É esta desigualdade que desejamos manter?

O impacto é ainda maior porque a Lei de Diretrizes e Bases de 1996 aboliu o registro de professor e permite programas de docência do ensino fundamental e médio para graduados de rápida duração. Estes programas são normalmente oferecidos em instituições privadas, ou seja, os estudantes egressos do bacharelado têm o caminho encurtado para acessar um dos maiores campos de trabalho dentro da área de artes: a sala de aula. A Medida Provisória 746 precariza ainda mais a formação ao sugerir a diminuição da carga-horária deste curso genérico e também incluir o “notório saber” para interessados em atuar no ensino profissional. A fragilização dos cursos de licenciatura reafirma o discurso governamental tecnocrata de responsabilização do magistério pelo fracasso escolar a partir dos atuais sistemas de avaliação. Cabe a pergunta no complexo desafio de elaborar políticas públicas: é possível exigir qualidade sem a valorização prática – e não retórica – dos grupos mobilizados?

Dentro e fora da universidade no ano de 2016 nos somamos a esta mobilização em diferentes encontros: “Autoritarismo e Liberdade: a situação da Arte e da Educação hoje”, “Arte/Educação em Foco: o ensino de Arte no RJ” (evento na Universidade Federal Rural do RJ), “Arte + 20: quem ganha com a obrigatoriedade do ensino artístico nas escolas?” (com o artista Victor Arruda), além da participação no Fórum em Defesa do Ensino de Artes.

Na UFRJ o incêndio no Prédio da Faculdade e Arquitetura e Urbanismo, atual sede da bicentenária Escola de Belas Artes (EBA), trouxe inúmeros prejuízos acadêmicos para os estudantes, especialmente os de graduação com quem temos maior integração. Apesar do momento conturbado, os artistas em formação conseguiram demonstrar grande capacidade de reação política em ações como o “Ocupa EBA” e também no investimento intelectual durante os estágios e em ações formativas no Museu Nacional de Belas Artes. É importante não esmorecer: a luta contra o golpe se renova nos próximos anos revendo os versos de Chico Buarque em “Vai Passar” (em 21/12/2016).