Os Setenta Anos da Escolinha de Arte do Brasil

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Precisamente em 8 de julho de 1948, Augusto Rodrigues, artista plástico, jornalista, caricaturista, junto com um pequeno grupo de educadores plantavam no jardim da biblioteca do então IPASE, no centro do Rio, a semente de uma árvore que iria florescer, dar frutos vigorosos para a educação e a cultura brasileiras. Nascia a Escolinha de Arte do Brasil com algumas crianças dispostas a participar da experiência de desenhar, pintar, na mais completa liberdade de expressão.

Pouco a pouco, essa experiência crescia e começava a se projetar no cenário da sociedade carioca, atraindo o interesse de artistas renomados como Osvaldo Goeldi, Fayga Ostrower ou Abelardo Zaluar, poetas como Carlos Drummond de Andrade e Ferreira Gullar, educadores do porte de Helena Antipoff e Anísio Teixeira e tantos outros prestigiados artistas, educadores, intelectuais que vieram participar de suas atividades, de seus cursos e do providencial almoço, oportunidade para conversas estimulantes, com troca de ideias, informações, comunhão de propósitos que o ambiente da Escolinha inspirava.

Instalada em ampla cobertura de um edifício na avenida Marechal Câmara, no centro da cidade, logo vieram as exposições de desenhos e pinturas das crianças, uma delas inaugurada pelo Presidente Juscelino Kubitschek, que seria apresentada em Londres, com patrocínio de Herbert Read, ideólogo da filosofia da Educação através da Arte.

Sensível à arte do povo, Augusto Rodrigues abriu o espaço para exposições do mestre Vitalino de Caruaru, com seus bonecos de barro, e do pintor Heitor dos Prazeres.

Com suporte institucional do Ministério da Educação, por iniciativa de Anísio Teixeira, diretor do INEP, a Escolinha começou a receber professores da rede pública dos estados para cursos de aperfeiçoamento e recreação, o que alertou Augusto para a necessidade de buscar uma educadora com formação pedagógica universitária para coordenar esses cursos. Para tanto, a Professora Noêmia Varela, com essa formação, veio do Recife para realizar esse fecundo trabalho, daí surgindo o CIAE (Curso Intensivo de Arte na Educação), reunindo professores do nível de Darcy Ribeiro, para a Antropologia; Nise da Silveira e  Pedro Ferreira, para a Psicologia Analítica; Cecília Conde, para a Música; Maria Helena Novaes Mia, para a Pedagogia; Monique Augras, para a Psicologia Educacional; Ilo Krugli e Pedro Domingues, para o Teatro; Isabel Maria de Carvalho Vieira, para a Literatura Infantil; Sérgio Campos Melo, para as Artes Plásticas; e Orlando da Silva, Marília Rodrigues e José Altino, para a Gravura em metal e Xilogravura.

Nessa fase, Augusto articulou-se com Ziraldo, tendo em vista um projeto gráfico para o jornal da Escolinha, indicando a Iara Rodrigues (diretora de escolinha similar em Porto Alegre) o contato com o designer e escritor. Naquela mesma noite, Ziraldo fez a logomarca do jornal e propôs diretrizes para a feição gráfica, saindo o primeiro número em setembro de 1970.

A experiência foi-se expandindo pelo país e América Latina, sendo promovidos seminários e encontros como o Latino-Americano, coordenado por Cecília Conde, centrado no tema “A Arte do Povo na Educação”. Coroando esses eventos, veio o Congresso Mundial para a Educação Através da Arte, com patrocínio da INSEA (Sociedade Internacional de Educação através da Arte), presidido por Zoé Chagas Freitas, voltado para o tema: “O Terceiro Mundo e a Educação através da Arte”.

Ao longo desses setenta anos, não faltaram dificuldades de toda ordem. Em 1993, Augusto Rodrigues partiu para outra dimensão existencial. Coube a Orlando Miranda, profissional ligado ao Teatro, assumir a presidência da Escolinha, ficando a direção técnica com a Professora Rosza Vel Zoladz do quadro da Pós-Graduação em Antropologia da Arte da Escola de Belas Artes da UFRJ, que deu continuidade aos cursos para crianças e para adultos, contando com o apoio da arte-educadora Helena Trigo em sua realização.

Houve uma fase de estio após a saída de Rosza, mas a chama da Escolinha não se apagou graças a uma parceria institucional, em desenvolvimento, entre a Escolinha de Arte do Brasil e o Instituto Arte na Escola. A revitalização foi marcada pela célebre noite do dia 16 de agosto de 2017, na Escolinha de Arte do Brasil, com exposição, palestra e arrebatadora performance do Grupo Cultural Jongo da Serrinha, uma tentativa de renovar no presente o olhar precursor de Augusto Rodrigues para Heitor dos Prazeres e Vitalino. A iniciativa desdobrou-se em grupos de estudos, oficinas e proposta de viagem no dia 17 de julho de 2018 para Inhotim, um dos maiores centros de arte contemporânea do país. Ao mesmo tempo, em outra frente de ação, buscam-se apoios necessários para a construção da Associação de Amigos da Escolinha de Arte do Brasil, deixando entrever um renascimento da experiência de educação através da arte em nosso meio, tendo por eixo este pensamento de Augusto Rodrigues: “Educação não deve ser um processo de humilhação, mas de libertação do homem”.

Publicado no Caderno B do JORNAL DO BRASIL em 8 de julho de 2018 em co-autoria com Jader de Medeiros Britto, graduado pela Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil e um dos organizadores do Dicionário de Educadores no Brasil (Editora da UFRJ).

Veja a matéria “Escolinha de Arte do Brasil completa 70 anos com novos projetos” do Caderno Zona Sul de O Globo em 7 de julho de 2018: